sábado, 10 de março de 2012

HISTÓRIA É ARTE?

I
Imagem: Site uol.com.br         

       Nesta semana tive a oportunidade de participar de um simpósio promovido pelo Centro de Preservação Cultural da USP denominado “Experiência Cultural e Patrimônio Universitário”. Resumidamente as discussões foram muito proveitosas principalmente para um iniciante com eu nesta área tão miscigenada e multidisciplinar que é a área de Preservação e Conservação de Patrimônios Culturais. As discussões não se detiveram apenas no imaginário do patrimônio universitário e sim em uma discussão mais ampla sobre todo o processo de institucionalização da preservação e guarda do patrimônio como um todo. O evento trouxe discussões de pessoas ligadas a Arquivos Históricos, Centro de Memória, Museus, Centros de Documentação universitária ou não, ampliando ainda mais esta área do conhecimento.
            A minha atenção para as discussões já foi atentada no primeiro dia. Quando cheguei ao Teatro da Faculdade de Medicina, onde estava sendo realizado o evento, um senhor grisalho, tipo Leslie Nielsen, estava fazendo a sua comunicação, com uma oratória impecável, bem diferente de outros pesquisadores destes congressos que mais lêem do que falam, este senhor mostrou domínio sobre o assunto a ser discutido. No final da apresentação todos aplaudiram e fui confirmar no caderninho de apresentações quem ele era. Qual foi a minha surpresa quando vi que era ninguém menos que Fernando Morais, um dos melhores historiadores do Brasil, e simplesmente leitura obrigatória em muitas disciplinas do curso de história. É muito estranho e diferente você se encontrar com a sua “bibliografia viva”, ali do seu lado, e vê-lo pegando o metrô pra ir embora, esquecemos que estas pessoas são tão normais ou loucas com a gente.
            Fernando Novais em sua fala provocou a plateia com indagações e questionamentos que a muito eu andava fazendo, como por exemplo, a história é arte? Nunca soube responder esta pergunta, e dentro do fato de seguir a risca os grandes manuais de como escrever história que você tem que decorar na faculdade, e também com as palavras nada inspiradoras de professores que olham para o seu texto e dizem: “Isto não é história”,  eu  me questionava se tinha feito o curso certo, pois esperava um curso mais humanitário e artístico e menos técnico. Aprendi assim que a História, como ciência, tinha sido criada apenas para ser mais uma auxiliar de outras ciências.
            O professor Novais explicou que o grande problema do historiador era exatamente quando ele, por prestígio talvez, decidiu ser um cientista. A partir deste momento a história deixou de ser, digamos, uma coisa leve e passou a ser mais um processo burocrático, principalmente porque deixou de expor o passado no presente e passou a se questionar do porque das coisas, típico dos cientistas que querem explicação para tudo. Ou seja, a história deixou de ser arte e transformou-se em ciência. O exemplo disso foi a total decadência do interesse popular pela História.
            Este período artístico da história foi antes da Belle Epoque, do qual a história fazia parte dentro da chamada cultura literária. Este tipo de história literária era e é muito contestada nas faculdades de história, e em muitos momentos entrávamos em calorosas discussões sobre o que podia e o que não podia ser utilizado como documento histórico. Dentro da minha formação tipicamente científica, ficava me perguntando se os livros de Machado de Assis seriam ou não um documento histórico sobre a sociedade do século XIX. E mais ainda, o que dizer de Heródoto, o pai da história, que não utilizava nenhum método para contar a história, ele seria menos historiador do que eu?
            Sendo assim, foi muito bom ouvir de um professor da capacidade de Fernando Novais que, de certa forma, temos que recuperar ou pelo menos não dispensar este lado artístico da história e de nos lembrarmos que um dia fizemos parte da cultura. Esta vontade científica do historiador me deixava angustiado com a profissão a ponto de em muitos momentos querer negá-la. Vendo pelo lado artístico a História passa a ficar mais romântica, menos mecânica e mais participativa nas questões referentes ao mundo e a sociedade, e principalmente, torna-se mais intrínseca ao ser humano, seu objeto de estudo, por muitas vezes esquecida.  
            Acredito que este diálogo ou estes questionamentos só foram possíveis em um evento multidisciplinar. A multidisciplinaridade é que provoca estas discussões, pois não vemos, mas estamos cometendo erros, e às vezes temos que ouvir os geógrafos, arquitetos, antropólogos, arqueólogos têm a nos dizer sobre nossa disciplina. Acredito que esta foi à grande “sacada” do evento.
            Parece-me que a história agora ficou mais leve, e passei a ter mais orgulho de dizer que sou um historiador sim, artístico e não de manuais.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O ESQUECIDO


Imagem: Site SPFC 1935


                Comecei a gostar de futebol lá pelos anos de 1992/ 93, tinha de oito para nove anos. Na verdade eu comecei a entender de futebol. Lembro do meu pai lendo jornal e eu, aprendendo a ler, ver a notícia do São Paulo campeão mundial no Japão e ficar maravilhado com a idéia de um time poder ganhar tudo, mesmo sentindo uma decepção de não ser o meu Corinthians.
               Meu pai, apaixonado pelo Corinthians e querendo me batizar corintiano, provavelmente com medo de me tornar um de muitos filhos ingratos que não torcem pelo time do pai, me levou ao estádio pela primeira vez em 1994. O estádio era o Pacaembu, e o Corinthians já eliminado do Paulistão daquele ano enfrentava a Ferroviária de Araraquara. Obviamente fiquei maravilhado com o funcionamento do gigantesco mundo do futebol e a magia que ele proporcionava. O Corinthians venceu por 4 x 1, e fui considerado pé-quente por todos que nos acompanhavam naquele dia.
               Na verdade o mais importante estava por vir, quando acabou o jogo o meu pai arrastou este moleque boquiaberto para o vestiário para ver se conseguíamos ver algum jogador, não só consegui vê-los como também peguei autógrafo de vários deles, como Viola, Casagrande, Paulo Sérgio e etc. No final, quando a noite parecia terminada, saímos no estacionamento e vi um carro vermelho com duas pessoas dentro, corremos até lá e vimos que era a franzino jogador do Corinthians, o meia Rivaldo. Os amigos do meu pai na verdade só foram falar com ele por brincadeira e não porque estavam vendo um ídolo. Lembro-me da sua cara de assustado e de seu bigodinho tipo latino, e me lembrei (já havia esquecido?) das reportagens sobre a contratação do Corinthians junto ao Mogi - mirim, do “Carrossel Caipira”, que além de Rivaldo, tinha Leto e Válber. Fiquei feliz de vê-lo, mais por ser alguém que já tinha visto na televisão do que por um ídolo mesmo.
               Aqui começou o esquecimento de Rivaldo. Meses depois ele foi esquecido pelo Corinthians e simplesmente foi jogar no Palmeiras, se juntando a Evair, Edilson, Roberto Carlos, Cafu, Edmundo e Cia, para formar um dos melhores times da história do Palmeiras. E como jogava este pernambucano de pernas e passes longos. Na final do Brasileirão daquele ano ele ajudou a acabar com o meu Corinthians. Ninguém se lembrou da ajuda dele. O Palmeiras mesmo nunca o chamou para um documentário ou festividade.
               Em 97, ele foi jogar no La Curuña da Espanha e como sempre arrebentou por lá, fazendo com que Zagalo o convocasse para a Copa de 1998 na França. Mais do que nos lembramos desta Copa? Do fracasso brasileiro na final, das convulsões de Ronaldo Fenômeno, mais não de Rivaldo. Sim ele estava na Copa de 98. Mesmo assim, depois de tudo isso, Rivaldo trocou o La Curuña pelo Barcelona, e foi eleito o melhor jogador do mundo de 1999, é amigo, melhor do mundo.
               Na Copa de 2002, na Coréia e no Japão, Rivaldo foi convocado pelo contestado Felipão, que teimou em não levar o Romário. Que bom que todos pensavam no Romário e nem ligaram pra convocação do Rivaldo, pois se não contestariam se perguntando: “quem é Rivaldo?”. Como sempre ele arrebentou na copa, deu assistência, fez gol e ajudou o teimoso Felipão a teimar em ganhar uma Copa. É isso mesmo amigo, Rivaldo foi campeão da Copa do Mundo com o Brasil.
               Obviamente nos anos em que se seguiram Rivaldo foi esquecido, e perambulou pela Europa e não foi pra Copa de 2006, acho que não se encaixaria no “quarteto mágico” de Parreira. Jogou em vários clubes e até na Grécia. Alguém me disse, certa vez, que ele voltou para o Brasil, pra jogar no Cruzeiro de Minas Gerais, sinceramente, não lembro, ou esqueci?
               No ano passado Rivaldo juntou todo o dinheiro de sua carreira e ao invés de fazer uma festa de arromba com um bando de puxa-saco, pra ver se conseguia alguma despedida, talvez da seleção, sei lá, ele comprou o time que o projetou para o futebol o Mogi – mirim, que talvez foi o único que não o esqueceu, e estava lá exercendo o seu papel de dono/presidente/jogador, quando foi chamado este ano para jogar no São Paulo, será que lembraram do Rivaldo? Os programas de esportes da TV brasileira tiveram que correr aos seus arquivos empoeirados para se lembrar e lembrar o telespectador quem era o Rivaldo, mas não acharam nada nestes arquivos, pois as imagens do Rivaldo ainda são usadas toda vez que se fala de seleção, mais ninguém se lembrava dele nas imagens, “ah... olha acho que o Rivaldo tocou essa bola que foi gol..... acho que ele fez esse gol..... ah foi ele que deu o corta-luz para o Ronaldo fazer o segundo gol do Brasil na final contra a Alemanha e garantir a copa de 2002.... ahhh lembrei!!!!
               A pior de todas ainda estava por vir, com o esquecimento de Rivaldo no banco de reservas de um jogo de quartas de final de Copa do Brasil, pelo queridíssimo mestre Carpeggiani (aquele mesmo que barrou o Roger por ele ter pousado nu, ah, disso você lembra né?). Tardiamente o Rivaldo “soltou o verbo” e disse poucas e boas, e muitos o criticaram por não respeitar a hierarquia do time, a comissão técnica, os companheiros de elenco.
               Na verdade o Rivaldo não esta falando aquelas duras palavras ao Carpeggiani, e sim a todos nós, que de certa forma o deixamos no anonimato. Estas palavras era pra vocês senhores entendedores de futebol, que não sabem dizer o que é ser bom ou ruim, e qual a importância de um coadjuvante numa bela história, e olha que me pergunto se o Rivaldo foi uma coadjuvante mesmo. Também me pergunto, como que jogadores que fizeram tão pouco pelo futebol podem ser considerado estrelas milionárias e “galáticas” e o Rivaldo que fez tudo e é considerado nada? O que mais será o que o Rivaldo poderia ter feito além de ser Campeão do Mundo e Melhor do Jogador do Mundo para ser um craque?
               O pior não é ser um bom jogador de futebol e não ter a chance de ter brilhado no esporte bretão, como ouvimos da boca da maioria dos brasileiros frustrados, e nem de ter péssimos jogadores, que aliás não sabem nem bater um escanteio, ganhando fortunas, é ser o melhor do mundo e ninguém dizer ao menos obrigado. Rivaldo, eu te digo obrigado, e também desculpas, pois só depois que você “soltou o verbo” eu me lembrei de você.