O fim da Aldeia Maracanã - Imagem: uol |
O
Brasil, e o povo brasileiro em si, nunca foi muito de dar valor aos seus
patrimônios históricos e culturais, muito menos as suas memórias e semióforos.
Mas desta vez exageramos. Deixamos mais uma vez que interesses particulares
tomassem conta de manifestações culturais coletivas. E isso é mais uma derrota
a nossa memória. Saímos de campo com a sensação de que perdemos para nós
mesmos.
Nesta
última sexta-feira (22/03), o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de
Janeiro (a mesma que entra com caveirões nos morros cariocas), amparada por uma
ordem judicial, tomou o antigo prédio do Museu do Índio, no bairro do Maracanã.
No local existia a Aldeia Maracanã, onde índios ainda tentavam reviver os
ideais de Darcy Ribeiro, antropólogo e fundador do Museu, que gostaria de ver o
melhor convívio possível entre os índios e os “homens brancos”. A justiça
determinou a tomada do local como parte da implantação de melhorias no entorno
do Estádio do Maracanã, que vai receber a Copa do Mundo da FIFA de 2014 e as
Olimpíadas de 2016. Segundo o governador do Rio, Sérgio Cabral, no local vai
ser construído o Museu do COB (Comitê Olimpico Brasileiro). Pergunta-se então:
qual valor cultural é mais importante para a história do Brasil, a dos Índios,
primeiros moradores deste local, ou das medalhas de atletas? Decidiu-se pela
segunda opção.
O antigo Museu do Indio no bairro do Maracanã - Imagem: O Globo |
O nome Maracanã vem do tupi Maraka´nã, que significa papagaio. Ali onde o Museu foi construído
era considerado um solo sagrado pela Aldeia Maracanã, a mesma que deu nome ao
rio que passa por ali, à avenida, ao bairro e ao estádio. Os índios
possivelmente ali ainda viviam em forma de demonstração de que tudo pode mudar
ao seu redor, mas não o meio em que eles vivem. Um caso de resistência mesmo.
Tudo estava ali antes mesmo do Rio de Janeiro existir, muito antes de se pensar
em estádio e Copa do Mundo. Ali foi construído um sonho de se preservar a
memória do índio, para que a nossa sociedade pudesse ter conhecimento (ou se
dar conta!) de que muito de nós são eles. Muitos de nossos hábitos, palavras,
costumes e culturas são indígenas. Mesmo isso parecendo tão evidente e tão
óbvio foi necessária a construção de um local de memória para que se pudesse
preservar e tomar conhecimento disso. Mas perdemos mais uma. Além das
tantos arrancados de suas tribos
amazônicas, vemos mais uma invasão típica dos portugueses do século XVI, às
tribos contrárias aos ideais da metrópole. Agora só falta chegar os jesuítas
para catequizá-los.
Alguns
argumentam que o prédio estava abandonado e que o Museu já tinha se transferido
para um palacete no bairro de Botafogo, e que agora os índios vão para outro
local determinado pela prefeitura. Mas será que ninguém percebe a relação que
os índios têm com o lugar em que vivem? Que na verdade são parte da natureza e
do meio em que sobrevivem? Sociedades e tribos não foram feitas para que se
fique mudando-as de lugar, e sim para serem preservadas como pertencentes a nossa sociedade, ao nosso
passado.
O
Rio de Janeiro, não o único, mas ótimo
exemplo, tem se mostrado o mais truculento de todos em relação a essas
“acomodações” para os jogos. Em muitos casos parece-se com a política
higienista do começo do século XX, onde várias pessoas foram expulsas do centro
da cidade para dar lugar a grandes avenidas e passeios para a nova alta
sociedade: a republicana, com grandes ambições de ser nobreza. Essas pessoas,
expulsas, podem ser vistas através de seus ascendentes morando no alto dos
“pacificados” morros cariocas.
Frase Emblemática no interior do Prédio - Imagem: Eduardo GM de Castro |
Até quando será que vamos admitir que pessoas determinem
o que deve e o que não deve ser preservado como patrimônio e memória do Brasil?
Mais um projeto arquitetônico vai ser demolido, mais uma tribo vai ser
arrancada de seu local de origem, mais uma cultura vai ser massacrada, e mais
uma vez não vamos fazer nada. O progresso é sempre mais importante, desenvolve,
enriquece e também esquece. E mais alguém vai ser esquecido e vai ser lembrado
apenas no dia 19 de abril, quando as tias das escolinhas vão pintar as caras
das crianças para “comemorar” o dia do índio. Parabéns a todos nós brasileiros
por mais esta demonstração de “ordem e progresso”.
Termino
com uma frase do próprio Darcy Ribeiro, criador do Museu:
"Sou um homem de
causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que
comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das
crianças, a reforma agrária...”. Parecem-me causas cada dia mais utópicas.
P.S.: Por favor, avisem
a Coca-Cola de que ela esqueceu-se de colocar em sua propaganda que, apesar de
ser a copa de todo mundo, os Índios da Aldeia Maracanã não foram convidado